17/10/2012

Para ler depois da meia-noite

                                   À Madalena minha cunhada

Etelvina minha amiga
Fecha as portas a PIC está a porta
Ponha a rede mosquiteira e vem cá dormir
Amanhã é dia!

Se por ventura por engano alguém bater a porta
Não abra
Deve ser o vizinho do lado
E por uma questão de precaução
Não liga para a FIR
Não liga para os bombeiros
Não liga para esquadra mais próxima

Não te esqueças que estamos sitiados
Os homens da SISE devem estar aqui por perto
Ao nosso redor
Sentes o fedor do vulto?

Etelvina minha amiga
Apague as luzes
Deixa o rádio tocar para ouvir notícias da Manhã
Sabes que o H. dos Santos nosso camarara foi preso
Foram os mesmos que mataram menino Hélio nosso colega de carteira

Agora Etelvina minha amiga
Vamos embora daqui
As notícias da Rádio não são nada boas
Vamos morrer a qualquer instante
Vamos pegar a estrada do norte até Montepuez
Lá teremos um carro para nos levar a Tanzânia
Nosso local de luta armada.

Não leve nenhuma trouxa
Pode ser pesado
Para evitar os crocodilos do Zambeze
Vamos via Malawi
Lá teremos o Kamuzu Banda como guarida por alguns dias
As espingardas kalashnikov virão depois
Com os outros companheiros nossos que ficaram na retaguarda
A marcha é longa

Etelvina minha amiga
Dê um beijinho à sua mãe e um abraço a seu pai
Voltaremos depois da luta
Não vai durar tanto tempo
Também seremos antigos combatentes
Seremos senhores do primeiro tiro
Generais na reserva


Etelvina minha amiga
Fecha as portas a PIC está a porta
Ponha a rede mosquiteira e venha cá dormir
Amanhã é nosso dia de luta!
As armas estão prontas?

Rafael da Câmara

09/10/2012

Carta ao Magnífico Reitor

                                       Ao F C

Bom dia magnifico
Eu por cá estou bem não sei o senhor
AH! Desculpe só lembrar-lhe que
Ontem te vi na televisão, estavas
Lindo. E falavas tão bem

Magnífico!
Te escrevo esta carta não de tão longe
Por cá
Onde muitos meninos e meninas  não voltaram ontem da escola
Diziam que foram atropelados
Segundo a polícia uma foi atropelada
Outra ficou sem os olhos
Outro o braço, a última morreu mesmo no local

Magnífico!
Lembras-te ainda dos nossos pais ném?
Foram antigos combatentes também ném?
Libertaram a pátria lá para as bandas do rovuma
Foram comissários e vagabundos políticos em Niassa
MILICIANOS de arma em punho em Muxara
Torneiros mecânicos por excelência em Muelé
Alfaiates e pedreiros
Sentinelas dos portos e caminhos-de-ferro
Jornalistas e fotógrafos

Magnífico!
O mar está bravo
O braço longo do polvo está bravo
As barcas já não adejam no seu ninho
É fértil o chão onde pisas
Cadáveres ressequidos jazem no umbral das portas
Quantos cântaros de água perfazem sua fonte?
Quantos palmos de terra compõem sua lavoura?
Onde ergueste sua retrete?
Tens água
Daqui a quantas jardas...

Magnífico!
Apenas te lembrar três coisas distintas
A primeira: Os meninos que não voltaram ontem são daqui de Mafalala Unidade 22
A segunda: A MÃE recebeu 500 mil
A terceira: O pai suicidou-se em BILIBIZA

Rafael da Câmara