29/06/2011

WONNA II

Diário de campo

Estou aqui
Diante de mim
Pequenos objectos
Um relógio
Chaves
Doutro lado de lá
Um pequeno montão de livros...
A janela fica do outro lado de lá...
Onde um pequeno remoinho de vento faz solidão...

Estou aqui!
Entre quatro grandes paredes...
Uma pequena porta de parede carcomida
Os escassos metros de mim
Fica o tecto.

Sim o tecto é de madeira e zinco
Pequenas silhuetas de fumo negro parecem
Restos escassos de teias de aranha
A esvoaçarem pequenas ondas
E havia noutra extremidade
Uma enorme quantidade de restos
Semelhantes a um enorme leito defunto feito de ferro e algodão

Eu ali
Feito estatueta de alma inteira
A gozar prisão domiciliária
Por conta própria.

Um discurso para uma mãe de Luisa Baptista em forma de elegia

Á Sumbi Cambure
minha única avó paterna


Avó
Deixe que te peça um grande perdão primeiro
Depois deste longo espaço de tempo em profundo silêncio
Mereces uma vénia avó
Tu e eu agora ainda mais distantes
Um do outro com a última partida do teu irmão mulato
Ex-assimilado meu pai
Descendente dos tsonga

Lembraste Avó
Sabias que os pássaros já não adejam
Lá para bandas de Musseque
E o tio Armando é filho mais velho de Macumeni
Aquele ex-regressado da Jon
Lembraste!
Sim!
Tu e eu longe um do outro avó
Porque tu quiseste partir maningue cedo

Meu pai único menino mulato
Incrédulo que pareça era apenas um
Alcoólatra de profissão
Torneiro mecânico por excelência
Um verdadeiro Sebastião Alba ainda em vida

Avó
Lembraste-te ainda do teu cati-calango
Do teu chá quente tão gostoso de limão (de arrancar em casa)
Das vozes unicamente ouvidas por ti de Armando Xai-Xai

Avó o mar está lá
Onde tu o viste pela tua última vez
Lembras-te ainda do mar oh, avo!
Dos seus braços longos cheios de polvos
Das areias brancas cheias de musgos
O mar esta lá avó
O mágico pedaço do mar está la

E eu te faço vénia avó
Não apenas porque tu mereces
Mas porque tu és a minha primeira avó
A única que me viu nascer
Rosas vermelhas para ti avó!

Cantiga para o meu país

No meu país ainda é proibido tocar minha música
A Rádio só toca música dos outros
E quando procuro saber porquê
Dizem me que o tempo das cigarras já se foi
O som seco da guitarra do Daíco também já se foi

Mas eu ainda assim
Ligo o meu pequeno receptor
E fico a deriva pelo som
Hipnotizante do Hip Pop

Que cena mais macabra meu amor!

Dito de Jerson a Zequinha I

Afinal não sou nojento todo tempo
Papelão de nylon em voo
Nem mesmo noites de searas e algazarras
Faz parar minha jangada de sumaúma

Nem mesmo vozes escaldantes
De civilizações modernas!
Fazem recuar meu desejo
Quero estar por perto do teu sorriso
Tocar teu braço tua pele
Sentir a aura que brilha nos teus olhos
Levar-te comigo para onde for

Tu minha pequena cidade de infância!

Uma carta para uma Aurora de Luanda

Saudo-te companheira de combate
Como estás
Eu por cá tou bem obrigada

Saudo-te companheira de combate
Como foi entao a tua luta
Eu por cá não tive vencedores

Saudo-te companheira de combate
Como estão as nossas presioneiras de guerra
Eu por cá resolvi aministia-las todas
Tambem troquei armas por enxadas
Comida pelo trabalho

Saúdo-te companheira de combate
Nos por ca estamos muito mal e muito obrigada!

Wahindro I

Rostos
Muitos rostos
Calcinadas esculturas em vão

Aceso
O cigarro torna-se violento
Desfaz sua imaculada doce nicotina

Minuto a minuto
O velho véu solta o cordão umbilical do tempo

Visitar ruelas e bares?
Ou ficar então desprotegido
Mostrar-te o pequeno urso que aloja em mim
No meu deserto!

Silêncio Propositado

Senti um grito abafado
Rompendo garganta fora
Dentro de mim
Ja ninguem estava
Senão um homem estatelado
Esquartejado
A porta semi-aberta
O cadáver ressequido
A mancha...

Mulheres Vagabundas

Todas elas bonitinhas
Feitas de limão e mel
Cal e caldo
Notícia ruim

De sapato
Alto ou raso
De cueca ou fio dental
Tanga ou vestido de noiva
Lá estão elas
Mosca e fecalismo ao céu aberto
De mãos dadas

Eu amo mulheres vagabundas
Juro – um dia me caso com uma delas
Mas minha tem de ser de capulana sem calcinha
De preferência de chinelos rasos
Bem comportada
Ouvido apurado
Linguagem aprumada
Tem de ser uma vagabunda
Dos 18 aos 54
Estilo gorila
Um pouco esquisita
Uma vagabunda de 1ª classe

Eu amo mulheres vagabundas
Juro – um dia me caso com uma delas
Juro!

Rafael da Câmara
Passos, ritmos e sons emergentes

À Lina Magaia

Sabias que todas as estradas feitas
Pelo homem estão todas esburacadas
Por isso não existem!

Sabias que todos campos cultivados
Pelo homem estão todos secos
Por isso não existem!

Todas as fábulas e seus heróis
Todos os governos e seus lacaios
Todas as armas e seus bandidos
Todas crónicas e personagens
Todos senhores cá da terra
São imbecis
Por isso existem!

Acabou

Oh!
Cobarde do tempo!

Deixe as velas acesas
Para o homem branco fingir que vê
No sono do povo polvo
Há uma faixa rítmica bem ao fundo
Que faz apagar as velas

E ai
O tempo
Este lugar Olimpo
É apenas uma continuidade da morte

Oh!
Cobarde do tempo

Vá tu mercenário do tempo
Feito de fato e gravata
Menino bonitão da ponta vermelha
Lambe bota do raio

Lembras-te!
Alguém fez – alguém sempre faria
E a roldana do tempo
E o sono do povo polvo
Misturam-se

Cá fora
Apenas uma pequenininha lufada de ar fresco
E um pequenininho fio de fumo
Que sobram
Lá paras bandas
De TOFINHO – minha terra natal por excelência.

Rafael da Câmara

15/06/2011

Cesta básica ou Cesto básico

Semearam nozes no lugar de feijões
Afiaram catanas no lugar de enxadas
Dançaram rumba no lugar da marrabenta
Acordaram as 12 e 30 no lugar das 6
O sol estava alto e quente
As estradas super lotadas
O céu super nublado



O povo já estava na rua
O feijão
O arroz de terceira
O pão
O óleo
O peixe de terceira
O cartão de abastecimento
Entraram na cesta básica
Mas ninguém mais viu o cesto básico

E depois?
Ah. E depois ficaram calados
Pensativos
Até hoje!

R. da Camara