09/09/2011

Pesadelos a sós

Violentem-me se for por intenção vossa

Arranquem-me os seios

Rebentem-me o buço

O chocalho das madrugadas tilintou

É o fim!

Não mais haverás chambocadas

O baril de pólvora excedeu

As musas já chiam lá no alto da montanha

Ao som epiléptico de Keith Jarrett

“Mirror (Dedicated To My teachers)”

Dois imbecis embondeiros dançam ao ritmo do COJA

E os anti-retrovirais virão donde?

A consulta do povo para o povo?

E as pedras amontoadas do Zimpeto?

E a piscina olímpica?

Violentem-me se for por intenção vossa

Arranquem o sebo

Rebentem-me o veio

Vai lenta a procissão

O cadáver ressequido

Querem saber!

To farto daqui

Vou procurar outro lugar qualquer

Inventar uma morte lenta

É o fim!

23/08/2011

Carta para o meu Ministro de Educação

Senhor Ministro, diz-se que um excelente barómetro de aferição da doçura da população de uma aldeia é a forma como os cães são tratados pelos aldeões. Se os animais, na presença de um estranho, se encolherem perante uma festa ou se apresentarem assustadiços com a cauda entre as pernas, é sinal de que constantemente alguém lhes bate. São aquilo a que chamamos, na gíria canina, cães batidos. Estes animais apresentam-se infelizes, abatidos, cabisbaixos, ansiando por afectos de pessoas de fora. Se, pelo contrário, os animais saltam, brincam e abanam incessantemente a cauda perante um estranho, é sinal de que são bem tratados pelos aldeões. Diz-se então, quando se verifica a primeira reacção, que os aldeões não são boa gente. Ao invés, se a reacção for a segunda, aquela população é boa gente.

Senhor Ministro esta pequena nota introdutória vem a propósito de um trabalho de revisão linguística que foi realizado por um grupo de Lingüistas Bantu no INDE - Instituto Nacional de Desenvolvimento de Educação. O trabalho foi realizado no mês de Maio de 2010, e visava essencialmente proceder a revisão linguística dos livros da 5ª, 6 ª e 7 ª classes, das línguas nacionais, excluindo as seguintes: Chimaconde, Cinhanja, Kimuane e Swahili.

Senhor Ministro as pessoas envolvidas no trabalho efectuaram a revisão dos livros (durante sensivelmente 15 dias) sem qualquer vínculo contratual com o INDE, entidade contratante, algo inédito em situações desta natureza. No entanto passados 30 dias o INDE solicitou o grupo de linguistas para a assinatura de um contrato, que não chegou a ser facultada uma cópia a este grupo de linguistas. O contrato previa o pagamento a cada participante no trabalho o valor bruto de 52 000 Meticais.

Senhor Ministro, de Julho de 2010 a Junho de 2011 o grupo de linguistas não mais foi contactado, apesar de inúmeras vezes este ter solicitado algumas explicações sobre a lentidão do processo de pagamento do valor em causa.

Estranhamente no mês de Julho de 2011, o INDE solicita novamente o grupo de linguística para participar num seminário. Segundo o INDE o referido seminário seria para a revisão dos livros já revistos. A justificação do INDE para realização deste seminário serviria como “ arranjo” para o pagamento do valor em dívida, devido ao défice orçamental que a instituição atravessava.

De Julho a esta parte a informação que o INDEC fornece ao grupo de linguista é de que o Ministério de Educação seria o responsável pela elaboração dos contratos e respectivo pagamento do valor. No entanto, actualmente o INDE apresenta uma nova versão dos factos. Alega que o Ministério de Educação desconhece o paradeiro do dossier com os dados que permitiriam efectuar o pagamento.

Senhor Ministro, os factos apresentados revelam claramente a falta de vontade por parte dos contratantes (INDE e ME). Ademais fica-se uma ideia dúbia sobre quem tem a responsabilidade de efectuar o pagamento do valor em causa, se é o INDE ou o ME.

Senhor Ministro, o grupo de linguista pede uma explicação sobre as razões que estão por detrás de tentativa de escamotear a verdade dos factos. Pede uma singela explicação sobre os contornos que estão deixar claramente a ideia de que tanto o INDE como o ME, não está dispostos a proceder ao pagamento do valor ao grupo de linguistas envolvidos no trabalho de revisão de livros.

Senhor Ministro não é convivente a ideia de que já não há orçamento para se efectuar o pagamento, pois se isso for verdade, porquê é que o INDEC contratou o grupo para o trabalho, sabendo das dificuldades financeiras que a instituição atravessa. Não é convincente também a informação de que o dossier dos linguistas pura e simplesmente sumiu da circulação, isto começa a ficar desgastante e incómodo.

Senhor Ministro, não se estará mais uma vez perante aqueles casos em que os funcionários responsáveis pelo sector financeiro, se desviam das suas responsabilidades e colocam o valor nos seus bolsos ou contas bancárias pessoais, em detrimento dos que justamente merecem e têm direito.

Não será porque os nossos governantes (no caso concreto, os técnicos do INDE e do ME) se têm comportado como os aldeões que, cobardemente, tratam mal os cães? Não teremos nós, neste país, muitos cães demasiado batidos?

Senhor Ministro, o grupo de linguistas quer apenas avisar que a paciência já chegou ao fim. E tem uma forte confiança no Senhor Ministro, como responsável máximo da instituição, pois é capaz de encontrar uma solução para os pobres linguistas, que são sistematicamente usados e abusados e por fim jogados ao lixo, sem o mínimo de respeito.

E por fim, Senhor Ministro, o grupo de linguistas quer apelar aos promotores desta situação que tenham cuidado: à primeira oportunidade, a matilha de cães batidos, que cresce a um ritmo avassalador irá morder a mão do dono e deixar bem forte a raiva que circula nas suas veias.
E, nessa altura, ao contrário do que diz o secular provérbio árabe, os cães não irão deixar a caravana passar. Disso tem máxima certeza.

AVANTE CAMARADAS!

29/06/2011

WONNA II

Diário de campo

Estou aqui
Diante de mim
Pequenos objectos
Um relógio
Chaves
Doutro lado de lá
Um pequeno montão de livros...
A janela fica do outro lado de lá...
Onde um pequeno remoinho de vento faz solidão...

Estou aqui!
Entre quatro grandes paredes...
Uma pequena porta de parede carcomida
Os escassos metros de mim
Fica o tecto.

Sim o tecto é de madeira e zinco
Pequenas silhuetas de fumo negro parecem
Restos escassos de teias de aranha
A esvoaçarem pequenas ondas
E havia noutra extremidade
Uma enorme quantidade de restos
Semelhantes a um enorme leito defunto feito de ferro e algodão

Eu ali
Feito estatueta de alma inteira
A gozar prisão domiciliária
Por conta própria.

Um discurso para uma mãe de Luisa Baptista em forma de elegia

Á Sumbi Cambure
minha única avó paterna


Avó
Deixe que te peça um grande perdão primeiro
Depois deste longo espaço de tempo em profundo silêncio
Mereces uma vénia avó
Tu e eu agora ainda mais distantes
Um do outro com a última partida do teu irmão mulato
Ex-assimilado meu pai
Descendente dos tsonga

Lembraste Avó
Sabias que os pássaros já não adejam
Lá para bandas de Musseque
E o tio Armando é filho mais velho de Macumeni
Aquele ex-regressado da Jon
Lembraste!
Sim!
Tu e eu longe um do outro avó
Porque tu quiseste partir maningue cedo

Meu pai único menino mulato
Incrédulo que pareça era apenas um
Alcoólatra de profissão
Torneiro mecânico por excelência
Um verdadeiro Sebastião Alba ainda em vida

Avó
Lembraste-te ainda do teu cati-calango
Do teu chá quente tão gostoso de limão (de arrancar em casa)
Das vozes unicamente ouvidas por ti de Armando Xai-Xai

Avó o mar está lá
Onde tu o viste pela tua última vez
Lembras-te ainda do mar oh, avo!
Dos seus braços longos cheios de polvos
Das areias brancas cheias de musgos
O mar esta lá avó
O mágico pedaço do mar está la

E eu te faço vénia avó
Não apenas porque tu mereces
Mas porque tu és a minha primeira avó
A única que me viu nascer
Rosas vermelhas para ti avó!

Cantiga para o meu país

No meu país ainda é proibido tocar minha música
A Rádio só toca música dos outros
E quando procuro saber porquê
Dizem me que o tempo das cigarras já se foi
O som seco da guitarra do Daíco também já se foi

Mas eu ainda assim
Ligo o meu pequeno receptor
E fico a deriva pelo som
Hipnotizante do Hip Pop

Que cena mais macabra meu amor!

Dito de Jerson a Zequinha I

Afinal não sou nojento todo tempo
Papelão de nylon em voo
Nem mesmo noites de searas e algazarras
Faz parar minha jangada de sumaúma

Nem mesmo vozes escaldantes
De civilizações modernas!
Fazem recuar meu desejo
Quero estar por perto do teu sorriso
Tocar teu braço tua pele
Sentir a aura que brilha nos teus olhos
Levar-te comigo para onde for

Tu minha pequena cidade de infância!

Uma carta para uma Aurora de Luanda

Saudo-te companheira de combate
Como estás
Eu por cá tou bem obrigada

Saudo-te companheira de combate
Como foi entao a tua luta
Eu por cá não tive vencedores

Saudo-te companheira de combate
Como estão as nossas presioneiras de guerra
Eu por cá resolvi aministia-las todas
Tambem troquei armas por enxadas
Comida pelo trabalho

Saúdo-te companheira de combate
Nos por ca estamos muito mal e muito obrigada!

Wahindro I

Rostos
Muitos rostos
Calcinadas esculturas em vão

Aceso
O cigarro torna-se violento
Desfaz sua imaculada doce nicotina

Minuto a minuto
O velho véu solta o cordão umbilical do tempo

Visitar ruelas e bares?
Ou ficar então desprotegido
Mostrar-te o pequeno urso que aloja em mim
No meu deserto!

Silêncio Propositado

Senti um grito abafado
Rompendo garganta fora
Dentro de mim
Ja ninguem estava
Senão um homem estatelado
Esquartejado
A porta semi-aberta
O cadáver ressequido
A mancha...

Mulheres Vagabundas

Todas elas bonitinhas
Feitas de limão e mel
Cal e caldo
Notícia ruim

De sapato
Alto ou raso
De cueca ou fio dental
Tanga ou vestido de noiva
Lá estão elas
Mosca e fecalismo ao céu aberto
De mãos dadas

Eu amo mulheres vagabundas
Juro – um dia me caso com uma delas
Mas minha tem de ser de capulana sem calcinha
De preferência de chinelos rasos
Bem comportada
Ouvido apurado
Linguagem aprumada
Tem de ser uma vagabunda
Dos 18 aos 54
Estilo gorila
Um pouco esquisita
Uma vagabunda de 1ª classe

Eu amo mulheres vagabundas
Juro – um dia me caso com uma delas
Juro!

Rafael da Câmara
Passos, ritmos e sons emergentes

À Lina Magaia

Sabias que todas as estradas feitas
Pelo homem estão todas esburacadas
Por isso não existem!

Sabias que todos campos cultivados
Pelo homem estão todos secos
Por isso não existem!

Todas as fábulas e seus heróis
Todos os governos e seus lacaios
Todas as armas e seus bandidos
Todas crónicas e personagens
Todos senhores cá da terra
São imbecis
Por isso existem!

Acabou

Oh!
Cobarde do tempo!

Deixe as velas acesas
Para o homem branco fingir que vê
No sono do povo polvo
Há uma faixa rítmica bem ao fundo
Que faz apagar as velas

E ai
O tempo
Este lugar Olimpo
É apenas uma continuidade da morte

Oh!
Cobarde do tempo

Vá tu mercenário do tempo
Feito de fato e gravata
Menino bonitão da ponta vermelha
Lambe bota do raio

Lembras-te!
Alguém fez – alguém sempre faria
E a roldana do tempo
E o sono do povo polvo
Misturam-se

Cá fora
Apenas uma pequenininha lufada de ar fresco
E um pequenininho fio de fumo
Que sobram
Lá paras bandas
De TOFINHO – minha terra natal por excelência.

Rafael da Câmara

15/06/2011

Cesta básica ou Cesto básico

Semearam nozes no lugar de feijões
Afiaram catanas no lugar de enxadas
Dançaram rumba no lugar da marrabenta
Acordaram as 12 e 30 no lugar das 6
O sol estava alto e quente
As estradas super lotadas
O céu super nublado



O povo já estava na rua
O feijão
O arroz de terceira
O pão
O óleo
O peixe de terceira
O cartão de abastecimento
Entraram na cesta básica
Mas ninguém mais viu o cesto básico

E depois?
Ah. E depois ficaram calados
Pensativos
Até hoje!

R. da Camara

02/03/2011

As marcas de um regime macabro

Nem sempre as balas foram feitas para matar
Algumas vezes servem de pequenos brinquedos
Para ornamentar o vácuo
O vasto vazio

Outras vezes
Acocoram-se bem fundo do nosso coração de pardal
As estrelas minguam-se ferozmente assim cobardemente
A imensidão o Olimpo

Quem mais vai marchar esta tarde?
Outro tirano local vai para rua?
O celeiro, a arma do crime e a dinastia bantu?
E os sequazes, maquiavélicos seguirão com ele?

Eu fico por aqui
A resguardar os imbecis
Recarregar minha arma
E ficar de atalaia

Por: Rafael da Câmara

As marcas de um regime macabro

Nem sempre as balas foram feitas para matar
Algumas vezes servem de pequenos brinquedos
Para ornamentar o vácuo
O vasto vazio

Outras vezes
Acocoram-se bem fundo do nosso coração de pardal
As estrelas minguam-se ferozmente assim cobardemente
A imensidão o Olimpo

Quem mais vai marchar esta tarde?
Outro tirano local vai para rua?
O celeiro, a arma do crime e a dinastia bantu?
E os sequazes, maquiavélicos seguirão com ele?

Eu fico por aqui
A resguardar os imbecis
Recarregar minha
E ficar de atalaia

Por: Rafael da Câmara

Vendedor de Calcinhas

Era uma vez um pequeno vendedor de calcinhas
Alto magro pele reluzente
Ausente na paixão dos homens sábios
Tal moço leviano de cara alegre e cabisbaixo

A cada metro o grito sufocante da sua voz
Trazia lembranças longínquas do tempo da fome e das cigarras
Do tempo em que as mamanas de rabo seco
Traziam massalas e outras frutas silvestres para nós

Era uma vez um pequeno vendedor de calcinhas
Abatido, apático e teso
Mas triunfante
E Gritava bem alto para o povo ouvir

No fim
No fim ficava na borda do passeio
Uma por uma
Contava o lucro das quinhentas da venda do dia

Era uma vez um pequeno vendedor ambulante de calcinhas

Por: Rafael da Câmara

Relação entre música e conteúdo textual musical



Sempre achei fascinante a relação texto e música, ou música texto. O cantor é motivado, se me permitem o termo, a aprender diferentes idiomas, no intuito de obter uma melhor, e talvez, mais perfeita articulação e emissão dos vocábulos inseridos na música. Ademais procura com base neste esforço transmitir a sua mensagem e sentimento através da música e com isso captar a sensibilidade dos ouvintes, quiçá falantes e não falantes deste idioma. Para além disso, se põe a questão de se perceber o que se está a dizer, uma vez que, se há um texto escolhido pelo compositor, o seu sentido deverá ser descodificado pelo intérprete e, em condições ideais, pelo ouvinte também. Contudo, colocam-se também outras questões: o que será mais relevante o texto ou a música? Far-se-á uma melodia para musicar um discurso, ou será a melodia que o vai sugerir?
Esta pequena nota introdutória vem a propósito da música da autoria da Tânia Tomé, intitulada “Nhi Ngugu Haladza”, que se supõe estar cantada em Guitonga, uma das línguas faladas em algumas zonas da província de Inhambane. Não quero aqui, discutir aspectos harmónicos e melódicos da música da Tânia. Sinto-me incapacitado tecnicamente para o fazer.
A minha modéstia observação reside essencialmente, na forma como a música é cantada em Guitonga pela cantora, Tânia Tomé, (confesso que não nenhum especialista nesta língua). O que defendo é que conscientes da produção dos sons vocábulos, os cantores devem desenvolver habilidades de articulação das palavras para permitir o significado do texto e do discurso musical.
Lembro-me ter começado a ouvir a música (incluindo o próprio vídeo) num dos canais televisivos nacionais. Mais tarde, tive acesso a música, e a partir daí, fiquei horas a fio com o intuito de querer perceber em que língua é que a Tânia estava a querer transmitir a sua mensagem, apesar de o título estar em língua Guitonga.
A decepção, se me permitem o termo, ocorre quando percebo que o que Tânia canta, não tem nada a ver com a língua Guitonga, muito mesmo seu provável dialecto.
E coloco aqui duas questões: a cantora Tânia sabe que o que canta não é Guitonga, apesar da letra estar em língua Guitonga?. Porque é a cantora sabendo das suas dificuldades de comunicação em língua Guitonga, em termos de dicção e consequentemente enunciação do texto, insistiu em cantar?

Para mim não basta que a cantora ou o cantor diga que a sua música é cantada em língua X ou Y, para parecer que investiga ou fala uma determinada língua. É importante que lembrar que o trabalho da dicção é muito mais abrangente do que normalmente se entende. A dicção permite a melhor enunciação do texto a fim de que o público entenda o texto que está sendo cantado. Para isto, é essencial e indispensável que a cantora aprimore a pureza dos sons vocálicos e a clareza das consoantes. Além disso, é preciso combinar tais qualidades com a prática de se cantar as palavras com a acentuação adequada e dar sentido ao conteúdo poético de cada verso do texto, adequando-o ao conteúdo musical Desta forma, os textos ganham expressividades e seu significado é melhor comunicado.

Suponho que a cantora Tânia ficou alheia a estes pormenores fundamentais. Alheia a relação “íntima” entre texto e música, entre palavra e melodia, entre “som” da palavra e “sons” musicais escolhidos.
Para mim torna-se inconcebível que uma cantora ou cantor engane o público dizendo que está a cantar em uma determinada língua, quando na verdade, não se está a perceber patavina de nada, senão o balbuciar de sons estranhos numa língua estranha. Em fim, baboseiras.

A lição é válida para outros músicos
AVANTE!

Por: Rafael da Câmara